Carnaval, à moda paulista
Texto do canadense apaixonado por Carnaval e criador de Carnavalesco, Ron Halliday.
Sábado, 31 de março de 2012 (Ano 8, Nº 82)
SÃO PAULO, BRASIL – Se você pedir para estrangeiros conversarem sobre o Brasil, eles sempre vão falar do Carnaval, aquela celebração mundialmente famosa que revela muita pele e que necessita ser vista para ser acreditada. A maioria estará se referindo às festividades anuais no icônico sambódromo carioca; poucos sabem que São Paulo também tem o seu. Apesar da falta de reconhecimento internacional, as escolas de samba paulistanas são pouca coisa menores e menos enfeitadas – apenas – do que seus primos cariocas legendários.
Conforme cada participante tem sua vez na avenida, um conjunto de jurados classifica seu desempenho em tudo desde as alegorias e figurinos até a bateria e o samba-enredo. E há muito mais em jogo do que simplesmente o direito de se gabar – as escolas do primeiro grupo recebem centenas de milhares de dólares em financiamento do governo.
As letras dos sambas-enredos foram apropriadas para descrever as fotos publicadas nesta edição, com notas de rodapé para explicar as diversas referências à cultura afro-brasileira.
Camisa Verde e Branco
“É o amor”
É verde e branco o meu amor
Meu pavilhão, minha paixão
Eu sou Camisa onde for
O trevo1 é meu coração
Sinta o romance no ar, é o amor
Conquistando os corações, o Cupido te flechou
Emoções, lindas estórias e loucuras
Platônico, o sol enamorado pela lua
É divinal, é imortal e vai se propagar
Inexplicável pode transformar e mudar a humanidade
Na obra de arte, do imperador, a dor de uma saudade que ficou
Flores num lindo jardim, personagens de amores sem fim
É puro e verdadeiro, o meu orgulho de ser brasileiro!
1 Um símbolo da Camisa Verde e Branco.
Ora ei eiô Mamãe Oxum2
Deusa do amor, conduza minha fé
É o povo clamando, em uma só voz
Em cada um de nós derrame seu axé
2 O orixá (divindade iorubá) do amor.
Um grito de gol ecoa no ar
É universal, não dá pra negar
Sem preconceito eu sou, é colorido o amor
Estenda a mão, ao seu irmão
Como é nobre o gesto de doar
E o vento levou embora a tristeza Do outro lado da vida existe a beleza
Nas ondas do rádio, casais apaixonados
Na tela do computador a esperança
Respeite o direito de uma criança
Mascarados no salão, é Carnaval, vou te beijar
A Furiosa3 faz você se apaixonar!
3 O apelido da bateria da escola.
Império de Casa Verde
“Na ótica do meu Império o foco é você”
Vem, meu amor
Olha pra mim, sou Casa Verde na avenida
Vem pra ver, essa viagem que fascina
Brilhou o sol do Egito
No vidro a transformação
Surgiram criações Moldaram a história das civilizações
Da literatura a proteção solar
Clara e cristalina para enxergar
Poder aumentar
Visualizar, fotografar
Tô nessa onda de esquimó e vou zoar
Pra embalar, tem rock pra gente dançar
Vou mergulhar na moda de um profissional
Entra em cena nossa tribo é Carnaval…
Tão pequenino pra ver
Mas nas lentes vou ter a precisão
Tanta beleza nessa noturna visão
Eu vi do céu a Terra é azul
No raio de luz, tecnologia
Posso observar toda magia
Que tem o universo
Se Deus é por nós Minha caçula canta em uma só voz
És a razão do meu viver, meu bem querer
O foco é você…
Refletindo no espelho…eu vi
Na imagem meu Império…feliz
E na lente uma visão que faz sonhar
Lá vem o tigre1 seduzindo o seu olhar
1 Um símbolo da Império de Casa Verde.
X-9 Paulista
“Trazendo para os braços do povo o coração do Brasil”
Sou X-9 guerreira, levanto a bandeira
Dessa gente varonil
Trazendo pros braços do povo
O coração do Brasil
No ar, o cheiro da arte
Herança moderna, é cultura popular
Meu rally desbravando os sertões
Rumo a ‘terras sagradas’
Progresso, aventura e emoções
Lá vou eu nessa jornada Brasil, abençoado pelo astro-rei1
Cenário de contrastes e magia
Reluz o verde das matas
No céu, lindas serenatas
A fauna e a flora em harmonia
Salve o nosso chão de cada dia
1 O sol.
Sou mestiço, brasileiro
Sertanejo, sim senhor!
Ao som da viola, te faço sambar
Meu amor! Festeiro esse povo canta e agiganta meu país
Tem bumba-meu-boi, bumbá 2
Tem festa de reis3, Obá4
É tão divino meu maracatu 5
Poeira, poeira
2 Danças folclóricas que giram em torno da morte e ressurreição de um boi.
3 Um festival folclórico cristão que celebra o nascimento de Jesus e os Reis Magos.
4 O orixá de águas revoltas, enchentes e lama.
5 Uma dança folclórica afro-brasileira do período barroco, com personagens fantasiados que imitam a corte real de Portugal.
Nessa viagem, diversas linguagens
Folclore e tradições
Brasil solidário, missão social
O meio ambiente é fundamental
Chegou a hora da largada
Além do horizonte encontrar
A consagração e o orgulho de ser campeão
Vai-Vai
“Mulheres que Brilham”
Bixiga 1 é alegria, é ‘bom brilhar’ 2
Gira a porta-bandeira
Rodam minhas baianas
Vem que o show vai começar
A mão de Deus abençoou o meu cantar
Fonte de inspiração A essência de Adão
Luz para o meu caminhar
A duras penas prosseguiu a lutar
Na graça da índia faceira
Com a força da negra guerreira
A realeza de grande brio
Aos olhos do regente do Brasil
1 O bairro paulistano onde se situa a sede da escola; a palavra significa ‘varíola’.
2 A empresa de produtos de limpeza Bombril foi patrocinador da Vai-Vai.
Ora ei eiô mamãe Oxum3
Liberdade!
Soam os tambores quilombolas4
Um sonho que virou realidade
E hoje tão linda e tão bela
Toda passarela a te exaltar
És música, poema
Arte a me fascinar
Te vejo nas ruas
Nos bares, esquinas
És como as estrelas bordando o luar
Mil e uma faces no mundo a brilhar
3 O orixá do amor.
4 Nome dado a escravos refugiados, seus atuais descendentes e suas comunidades de longa data.
Senhora da vida
Guerreira na lida
Hoje é presidente me rendo a teus pés
Pra sempre te amarei ‘mulher’
Rosas de Ouro
“O Reino dos Justus”
O vento sopra magia
Vem viajar na imaginação
Era uma vez, um reino abençoado
Onde imperava a igualdade
Justiça e liberdade Em seus jardins, brotava a mais bela flor
E a rosa encantada, o lindo cenário enfeitou
Às margens de um rio, o esplendor de um brasão
É meu orgulho, minha tradição
Sou mais um guerreiro nessa multidão
As damas da corte num doce bailar
Exuberância sem igual
Ao som de violinos
Um grande cortejo real
Hei de lutar por minha bandeira
E defender meu ideal
Mas a tirania trouxe a invasão
Na luta do bem contra o mal
Buscando a felicidade
A esperança cruzou o mar
E no Brasil, um ser de luz nasceu para brilhar
Um lindo conto assim se fez, Justus1 o menino rei
Hoje…a sua história é inspiração
Vou coroar essa conquista
Honrando as cores do meu pavilhão
1 Roberto Justus é de descendência húngara.
É mais que um caso de amor
Rosas de Ouro, razão do meu viver
Trazendo a Hungria no coração
E o sonho de ser campeão!
Acadêmicos de Tucuruvi
“O esplendor da África no reinado da folia”
Teu filho, oh Mãe África
Faz festa pra te exaltar
Sou Tucuruvi 1, tua história
Meu samba vai revelar
1 O bairro paulistano onde se situa a sede da escola; a palavra significa ‘gafanhoto verde’.
África!
Terra de raro esplendor
Berço de uma nação
Que acolhe teus filhos em teu coração
Brilhou em teu solo a riqueza
Lindas obras da Mãe Natureza
Selvagem paraíso: um tesouro natural!
Em cada filho teu, o amor por esse chão
Levantando a bandeira da preservação
É a fé que embala o teu caminhar
Na mãe feiticeira o dom de curar
Ao som do tambor, há celebração
A magia se espalha e traz proteção
No dia a dia
A arte era a tradução da criação
Modelada pelas mãos
A inspiração transformou-se em alegria
Chegou à Bahia, na ginga 2 da capoeira
Com seu sabor, essa cultura Fez nascer a raça afro-brasileira
Hoje, com a benção dos bambas
Minha escola de samba vai passar
Com garra defendo meu pavilhão
No peito, a marcação
Herdeiro eu sou, da batida do tambor
2 O movimento básico da capoeira é chamado ginga porque o mesmo imita o movimento de remar quando se emprega um remo só (ir a ginga).